🏺 As Múmias Europeias do Deserto Chinês: O Mistério de Tarim

No coração de um deserto esquecido pela história, corpos loiros, altos e de olhos claros repousavam intactos havia milênios. O que estavam fazendo no extremo ocidente da China, séculos antes das grandes rotas comerciais?

Por volta da década de 1980, arqueólogos chineses começaram a escavar a região do Deserto de Taklamakan, na bacia do Tarim — uma das áreas mais inóspitas da Ásia Central. Esperavam encontrar fragmentos culturais da Rota da Seda. O que descobriram foi algo muito mais intrigante: dezenas de múmias com traços europeus, algumas em estado de preservação impressionante, como se tivessem sido enterradas há poucas décadas.

A “Bela de Loulan” e os filhos do deserto

Entre as múmias mais icônicas está a chamada “Bela de Loulan”, descoberta em 1980 perto da cidade de Loulan, hoje em ruínas. Seu corpo repousava há aproximadamente 3.800 anos, com cabelos castanho-avermelhados ainda visíveis, pele clara, feições finas e trajes de lã e couro cuidadosamente costurados.

Outra descoberta célebre é a do Homem de Cherchen, encontrado ao lado de sua esposa e filho. Vestia roupas com padrões têxteis semelhantes aos dos celtas europeus e apresentava traços genéticos semelhantes aos povos da Europa Central. Data estimada: 1000 a.C.

A análise científica

Pesquisadores como Victor H. Mair, professor da Universidade da Pensilvânia, foram pioneiros nos estudos das múmias de Tarim. Em cooperação com laboratórios chineses, exames de DNA mitocondrial confirmaram que muitas das múmias apresentavam ascendência indo-europeia. Isso sugere que povos de origem ocidental chegaram ao interior da Ásia muito antes do que se imaginava.

Testes de tecidos revelaram roupas tecidas com técnicas complexas, feitas com lã de ovelha fiada em padrões que não batiam com as tradições chinesas antigas. Além disso, a preservação se deve à extrema secura do Deserto de Taklamakan, que pode ultrapassar os 300 mil km² — uma área maior que o estado de São Paulo.

Um quebra-cabeça histórico e político

As descobertas são tão intrigantes quanto incômodas. Elas desafiam as narrativas sobre a origem cultural da região de Xinjiang, onde vivem os uigures, e levantam questões sobre as antigas rotas de migração humana. Por muito tempo, as múmias foram mantidas em sigilo pelas autoridades chinesas, que temiam repercussões culturais e políticas.

A própria “Bela de Loulan” foi mantida fora da exposição pública por mais de 15 anos, até ser exibida em museus com forte controle narrativo.

Quem eram eles — e por que desapareceram?

Esses antigos habitantes parecem ter vivido em sociedades organizadas, com técnicas têxteis avançadas, hábitos rituais e sepultamento elaborado. Alguns pesquisadores sugerem que poderiam estar ligados aos povos tocários, um grupo indo-europeu quase apagado da história.

Mas talvez nunca saibamos com certeza. O que restou foram corpos dormindo entre dunas e salinas, preservados pelo deserto como se guardassem um segredo — um eco silencioso de um passado que insiste em ser lembrado.


📌 Fontes e referências:

  • Mair, Victor H. – Universidade da Pensilvânia
  • Mallory, J. P. – The Tarim Mummies, Thames & Hudson, 2000
  • China Daily Archives
  • Journal of Indo-European Studies

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